sexta-feira, 15 de junho de 2007

Bem, já que o poema "O Sonho" fez relativo sucesso, vou postar aqui também o sucessor. Sabem, sonhos são como poliedros. Sua significação é tridimensional e plurivocal: ou seja, vem de vários momentos diferentes da sua vida e são "aglomerados" (como num mexidão tosco) em uma só seqüência de representações em som e imagem (noto, também, às vezes, impulsos mentais). É como se pegássemos várias fotos e fôssemos recortando delas elementos que mais nos interessam para cifrar a mensagem que queremos passar e fizéssemos uma colagem. Então, posso estar eu adulto, falando com minha mãe na infância, encontrando um outro personagem que é híbrido de meus irmãos, em um lugar que criei numa brincadeira quando tinha 8 anos. E o sonho não tem apenas "uma" mensagem. Ele meio que se constrói para sublimar vários tipos de problemas ao mesmo tempo, muitas vezes fazendo referência a outros sonhos, que vão entrando numa teia maior de informação.... enfim, o inconsciente. Por isso, para se interpretá-los, é preciso foco. Um sonho contém mais do que nós podemos dizer sobre ele. Leiam Freud. :)

Tudo isso por um poema medíocre! Mas estamos aí. Dei uns retoques para ele ficar menos ridículo. Escrevi pouco depois de "O Sonho", ou seja, 2001, e certa vez escrevi um "O Sonho 3", com o qual eu havia ficado muito satisfeito. Mas perdi o original e o poema se foi pra sempre. É uma pena. Estou estudando a possibilidade de escrever um "O Sonho 4". Hehe.

O Sonho (2)

Encontrei uma casa
que não via há quatro anos.
Ela me apareceu translúcida
no meio de uma floresta
recheada de livros que nunca escrevi.
Encontrei um shopping, um aeroporto, amigos esquecidos.
Até o meu breve, muito breve pensamento sobre as cadências da cor [verde
foi peça chave nesse volteio de ladrilhos e portas flutuantes.
Um poço, uma cachoeira, um país estrangeiro (e retorno a ele agora).
Uma ação passada, jamais entendida, que se repete, sem encontrar [solução.
E as conversas, esdrúxulas, com pessoas que jamais existiram.
Destilando-se, as camadas da angústia.
Ociosamente, o passado e o presente se mesclam num odor neutro.
A quase-consciência, a capacidade de transformar o instante em universo.
(fractal)
Hoje, estou conversando com um meu amigo que não vejo desde os seis [anos de idade.
Subitamente, graças a uma propaganda de cerveja que eu assistira no [mesmo dia,
faço um comentário sobre mulheres loiras.
Então, estou transando aquela loira que não me olhava na oitava série.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Um poema sobre a minha péssima memória e o desaparecimento de coisas abstratas. Como é longo, não os perturbarei mais. Escrevi em 2007.

Não Me Lembro

Um projeto de não-existir se apodera de mim.
Eu não me lembro.
Ensaio para a morte; oblívio.
Os objetos da memória, intangíveis.
Me estremeço todo com essa transparência anódina.
O que se foi vai devorando meu presente como um pai ausente.
O que não é mais se presentifica num chumbo de veludo.
Escapam-me os rastros tijolados que levam ao tesouro de minha fonte-[origem.
Presente-mar dissolve o passado-areia neste ir-e-vir maléfico, que faz
[apenas neutralizar os volteios inférteis das humildes tentativas de auto-[compreensão.
Não nos deixam lembrar, e isso não é exatamente uma ditadura.
O que é memória é cadeia.
O que é cadeia é volátil, é arbitrário.
Estrela cadente.
Conhece aquelas fagulhas de cigarro que vão se dispersando, e então
[morrem, isoladas, sem a possibilidade de estabelecerem sinapses?
Nem mesmo as estrelas, que são, sim, fagulhas, não são fagulhas [eternas.
Mas as nossas lembranças se parecem mesmo com uma usina nuclear.
Eu até gosto de me lembrar, mas não me lembro.
Desenho de infância, traçado bonito de vaguidão, invenção.
Tem um gancho sozinho flutuando na minha tentativa de ser aquele tal [todo coeso.
Mas há algo de lírico ou algo de lúgubre numa besta cega?
Se Deus é um relojoeiro cego (pasmem!),
ele criou o homem à sua imagem e semelhança?
É certo que cada coisa precisa desalojar outra nesse mundo.
Metáforas são sempre tolas, porque justamente desalojam, mas como
[ignorar aqueles castelinhos vermelhinhos de madeira?
Tento solucionar estes problemas, mas tudo o que me vem à cabeça são
[esses bloquinhos de madeira, bem afastados, voando numa substância [gosmenta e adstringente.
O que é mais curioso é que o desintegrado volta, somatiza-se.
Mais um doloroso paradoxo.
As amebas é que devem estar certas, pois são honestas e enfileram seus
[aspectos externos e internos.
O que não está presente é sempre o que mata mais.
O que some, o que se volatiliza, escolhe sempre o caminho da ascensão?
O que se esconde tem sempre um cantinho aconchegante onde pode [descansar?
O presente não tem essa possibilidade de se esconder.
Essas sombras que cercam tudo, esses vultos canalhas, essas [representações covardes!
Cafajestes de primeira, o passado e o futuro.
Lá no fundo dessa memória em branco há um nódulo-chavão.
Trata-se de uma maneira bisonha e antípoda de esperança.
A lembrança, segundo a psicanálise, pode, sim, voltar.
O homem também não olha para trás.
Prefere não fazê-lo.