segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Poemas irmãos

Escrevi dois poemas irmãos recentemente. Poemas baseados no verbo, escavadores de palavras. Postarei o "Achar" aqui e o "Torcer" no Nexo Grupal. Divirtam-se.

Achar

Acha-se aquilo que foi de um outro.
Outro que não lhe queria mais o objeto.
Objeto que agora se encontra suspenso.
Sem sua fagulha vital.
Objeto que não existe novamente
até que alguém o ache,
cercado por seu nada nebuloso,
por seu novelo desintegrado.
O objeto adormece, suicida-se, para uma cidade de vacuidade.
Desprende-se, porque a vida no invisível
não é monótona como a vida da vassalagem.
Aquilo que se perde procura isentar-se de seus posseiros.
Mas há aqueles que o acham
solteiro
pronto para uma nova simbiose,
virgem de comunhões rasuradas,
mas ainda viciado no destino da adesão.
Porque se se livra de uma porosa relação
quer também destronar um novo suserano,
a solidão.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Mais arqueologia

Realmente não dá pra postar todos da série "Poemas e outros poemas", já que tem alguns de qualidade muito precária. Estou botando pra jogo alguns mais ou menos aceitáveis, que precisariam de muita reformas para ficarem mesmo "apresentáveis". Esse aqui, o poema 4, procura passar uma mensagem legal, de superação e processamento do sofrimento. Um poema muito modesto. Espero que curtam. Acessem Nexo Grupal para outros poemas dessa série...

Poema IV

É simples:
Porque às vezes é necessário que façamos isso.
Por mais que a carga, o chumbo, as balas
retornar fazer te podem não elas, não !
por mais que aquela catedrática, a Lua, a morte de um parente:
e se libertassem as algemas da sua alma?
Temos este presente incrível, com o qual nada podemos fazer
Podemos decorar nossos pés, nossas unhas, nossas peles: derramar rios [d’água invencíveis.
Para que assim possamos nos restabelecermos.
Devemos, porque podemos, retirar este pedaço de nós.
As lágrimas existem para filtrar nossa mente.

PS: esse "poema" tem um verso invertido. Coisa de quem está ansioso por inventar alguma coisa... santa ingenuidade...

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Poemas e outros poemas

Lá para, seu lá, 2001-2003 resolvi escrever uma série de poemas apenas numerados. Seriam "Poema 1", "Poema 2", etc. O resultado ficou interessante porque, já que os poemas não possuem títulos, tendem à abstração, já que me pauto muito pelos títulos para escrever (e também para entender. Quem me conhece sabe minha obsessão em saber os nomes das músicas que escuto, etc... sempre achei que seria melhor para memorizar, organizar no meu "hd humano" a quantidade imensa de informações que absorvemos, etc.). Vou deixando aos poucos, então, aqui, esta série, que é de 12 poemas, mas não sei se vou colocá-los todos, porque não sei se são todos que prestam. Fica aí, então, o Poema 1:

Poema I

Nós estamos em aberto

esquecemos vicissitudes

abrimo-nos comparativamente

a um eterno alvorecer

que é nossa máscara de transformação.

Quero andar na direção oposta

e deparar-me com a barreira invisível

que nos coloca

e rodeia, e consome.

Andar até o limite do universo

e descobrir que até o infinito

tem para nós sua finitude.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Back in black

Bem, pessoal, após uma breve ausência, estou aqui novamente para alimentá-los com poesia claudicante. Meu tempo para escrever a dissertação de mestrado está se esgotando e, apesar de pensar e ler sobre poesia 24h por dia , estou sem muito tempo e disposição para escrevê-la. Entretanto, há novidades. Vou tentar manter aqui a política de postar um poeminha "achado" (quer dizer: poemas velhos que eu havia desconsiderado/esquecido e que hoje reavaliei e acho que têm condição de serem levados a público - mesmo que seja um pequeno público, hehe) e um poema mais novo, mais elaborado e de acordo com o que estou pretendendo fazer atualmente.

O primeiro deles, escrito quando eu dava meus primeiros passos nessa arte complicada (e ainda não saí deles), está carregada de ingenuidades, mas conserva uma coisa que sempre vai estar presente no que escrevo, ou seja, na idéia que tenho do que seja a realidade: a noção de que as coisas abstratas estão margeando tudo o que entendemos como importantes, e que essas representações são o que mais próximo podemos ter de algo como uma espécie de divindade ou lógica cósmica. Lá vai:

Tudo

O céu é preto.

está.

sob que perspectiva?

é um desnovelo.

desencargo único da consciência

aonde posso planar

fingindo que as barreiras impostas ao meu pensamento são invisíveis.

O ser é um ente que fuma

e se desfaz em névoa.

O céu é o vácuo

por onde podemos nos tornar tudo.


Este segundo poema tem um valor especial. Foi o último que escrevi e faz uma reflexão (como se fosse uma espécie de "ensaio poético") sobre a paternidade a partir de uma pessoa que a desconhece. Tem a ver com meu próprio pai, pai da antencedência.

Pater

Paternidade é o pai da antecedência.

Faço uma viagem ao mundo dos micróbios:

Há um descolar-se meio tonto, meio sem saber.

Um filho deve nascer de um descolar casual.

Sofre de um trancamento masculino.

Passa por um apartamento genético.

Como num timbre matemático, o filho (filho do pai, não da mãe) vai

[ziguezagueando as coisas, quase pronto para se encadear, se dividir [novamente.

Sem umbilicalidade, o filho acena para o pai, de longe.

Encadeia-se como se fosse um efeito do cosmos, uma afeição automática

[das coisas por elas mesmas.

Compaixão por substancialidade.

O filho desenrola-se, ainda um apêndice, no matagal cheio de pulgas do [mundo.

O pai estatifica-se em seu ato primordial de preceder.

Antecede, e isso basta. Isso cria e delineia o próprio ato parental.

Pai, de uma importância cronológica, sintática.

Sem austeridade, o pai se aloja em sua posição de anterioridade, que vai

[se desintegrando.

O mundo se abre, vetusto.

O pai se torna topo da cadeia.

Atinge o céu, de certa forma; ascende.

Há um momento, então, em que o filho escreve a liturgia das coisas.

O pai se torna lenda.

Vale-se de seu princípio como princípio.

O filho é obrigado a mergulhar num universo passado

e costurar uma partitura de mundo.

Procura um aceno cíclico,

adentra nas pupilas do pai,

e recolhe, em assombro mitológico, os signos de uma existência em [origem.

O que é remoto cicatriza a ambigüidade do que é segundo, prole.

Completo, re-significado, o filho então também se torna pai.

E passa também a legar.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Crepúsculo do Cinema

Pois é, Bergman e Antonioni faleceram esses dias e toda uma imensa comunidade de cinéfilos parou para pensar um pouco o que significou, para a chamada sétima arte, o adeus desses dois caras. Não vou ficar aqui teorizando a respeito da obra de ambos ou tentar imaginar o que eles ainda poderiam contribuir para a restauração de uma arte em decaimento. A única ressalva é pensar justamente o quanto ambos significaram para um cinema sem limitações, em que o criador tem posse de sua obra, e aval para prosseguir investigando as possibilidades da arte, da filosofia e da imagem utilizando a liberdade estética como um leitmotiv sem fronteiras. Não deixaram herdeiros, ambos, provando que até mesmo a arte, como manifestação coletiva, tem também sua pulsão tanática.

Escrevi um poema chamado "Antonioni" há uns cinco anos. Acabei esquecendo-me dele, porque, digamos, envelheceu mal. Falava sobre uma incapacidade de seguir as causas e efeitos da realidade, justamente porque, numa realidade um tanto quanto "virtual", só sobrariam pausas, fotogramas de realidade, pixels de verdade. No final, ficou algo mais a ver com Mário Peixoto do que com Antonioni. Não é grande coisa, mas vá lá, ressucitá-lo-ei. Rest in peace, Antonioni.

Antonioni

...

e são só pausas

todo este momento­

pausas no futuro inacabado.

a mochila nas costas.

as aves.

a montanha.

pausas incríveis.

o trabalho volta a consumir.

a música se (e re) integra.

e os jogos: todos valendo dinheiro.

todos pausas espetaculares.

comandando aquele exército de neurônios.

ludibriando este curso sonolento.

as pausas que nos distraem;

nos fazem decidir, desviar o olhar.

nos submergem num doce líquido azulado.

claro e límpido: muitos sorrisos conquistados.

a dor por dentro cessa até brotar novamente.

vivem todos drogados, eles.

provocam, interrompem, retornam ao confortável conhecido.

por um momento, deixei que continuasse.

preferi sofrer o calor que me provoca coragem.

o curso verdadeiro, incolor e condensado:

não quero mais pausas no tempo.

domingo, 22 de julho de 2007

Poemas de amor

Bem, poemas de amor. Estão meio fora de moda, mas não faz muito sentido falar em poesia sem mencioná-los. Geralmente o amor funciona como um mecanismo de primeira propulsão para a poesia. Ou seja: deve mentir aquele poeta que diz não ter começado com poemas de amor. No início, a poesia é apenas um pequeno suporte para a veiculação do amor. A poesia é um mero objeto do amor, um rito de passagem na atividade de conhecimento do amor. Depois, as coisas se complexificam, e o amor se torna suporte para a veiculação da poesia, e essa parceira encontra seu estágio de simbiose máxima. Eu também escrevo os meus poemas de amor. Deixo aqui três deles, todos dedicados à mesma pessoa, inquieta e inconfundível.

Carolíngea

São foices, feno, ladrilhos, elmos e uma desconfiança vampírica que [fazem um império.
Os sulcos entre os dentes, os restos esquecidos das unhas proclamam o [império da vida.
Rasgadas declarações de dependência solipsista, o império do sentimento.
Existe um império distante.
Entrecortado por hesitação e êxito, burilado em milhagens de paisagens [exóticas.
Este império tem torres que são mãos.
Soldados que são pêlos.
Transpiração que são frutos.
Orelhas que são trombetas.
Lábios que são portões.
Dedos que são espadas.
E corpos que são relva.
Vem do oriente.
Seus poços escuros, seus botões de cravo, sua música popular
crescem em mim enquanto minha pele se colore com a vegetação e as
[águas dos meus olhos se tornam rios de transporte
e o barro do meu suor tijolos para erguer minha base que será torre:
suporte para batalhas no rés da pele,
um mero obstáculo contra os fortes mais distantes:
aqueles encrustrados na semente da alma, talhados na névoa fumacenta
[das escolhas, das certezas, das decisões que viram pó e se projetam [arrependimento no futuro.
Estes campos são conquistados com estacas fincadas no coração dos [erros humanos.
E que exércitos não perecem nos pântanos acres, cadáveres nos tempos
[de conquistas frustradas que enterram nossos sonhos de plenitude, de [gozo e de realização?
Quem sobrevive se dá conta de que um império só conquista outro se for
[capaz de minar a si mesmo, queimar as florestas de suas próprias [terras, extinguir o fogo fátuo de sua própria essência vital e abrir espaço
[para a entrada enérgica destes novos vapores de vida que incorporam
[aquele que não é mais você (doado), mas alguém que percebeu que
[a conquista se dá apenas quando uma vida é substituída por outra vida.

Amor Sonâmbulo

O sonâmbulo não é o amor que anda de olhos fechados.
Pisa em estofo (cama de mola) porque é amor
ou porque é sonâmbulo?
Sonâmbulos atacam geladeiras, atacam pessoas, são perigosos
são agressivos
Não se deve acordar um sonâmbulo
ou não se deve deixá-lo dormir?
Mas há um quê de floreio.
Quando imagino “sonâmbulo”, não sei bem porquê,
vêm juntas flores
Havia na matemática um recurso de deixar as coisas (deviam ser [números) em suspensão.
Será um sonâmbulo um ser em evidência?
Imagino um sonâmbulo feito d’água, meio azul, meio fofo-aquoso,
[espalhando-se por frestas da cozinha, até da sala.
Lembra-se daqueles balões d’água que a gente explodia na cara, na [gincana?
O amor possui um acabamento metálico que um sonâmbulo não tem.
Um sonâmbulo possui uma propriedade de calterização que o amor
[não tem.
Querer relacionar o amor e o sonâmbulo é uma estultice.
Meu amor não é um sonâmbulo.
Ele apenas sonambula por aí.

Futucante

Futuca essa coisa tentaculosa que deixa uma coceira que não se pode
[encontrar, debaixo da pele.
Carcome essas casquinhas, estes pequenos adereços faustosos que a
[alma e o corpo gostam de penduricar.
Investe e alimenta esses comichões que sempre se parecem com aquela
[dorzinha que nunca tem lugar, nunca tem solução, nunca tem nome.
Para se futucar, tem-se que conhecer o fundamento da própria dor, e
[respeitar as gangrenas e hemorragias que jorram nossos [questionamentos para espelhos passados.
A carne ferida (e a carne dos outros, também ferida) abre aquele olho
[mágico onde tudo cintila.
Movimento em riste, sacralidade dos ciclos da vida. O futucar é quase um
[rio que se desdobra, tem a consciência das coisas mecânicas, mas religiosas.
Se há algo que quase se depreende, é o carinho com que se mutila, se
[deteriora, se expurga.
Descasca-se pelo amor que se tem pelo que é finito, pelo que nunca se [renova.
Deixa mesmo uma impressão indelével que marca, que provoca relevo.
Futuca-se com delicadeza e precisão, amor lacrimoso, que insere na
[carne o pontiagudo instrumento de uma subjetividade titubeante.
Queria alcançar o infinito, pelo futucar.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Quando éramos crianças, eu e meus irmãos costumávamos andar a cavalo na antiga fazendo do meu avô. Sempre tive uma fascínio daqueles de criança por animais. Minha única idéia para um filme seria uma montagem, nas margens da poesia, da vida, hmm... sincera dos animais. Lembro-me de passear pela fazenda e gastar meu tempo observando galinhas, porcos, minhocas e vacas. A diversão "oficial" da fazenda, que era andar a cavalo, ficava mais com meus irmãos. Marcos em especial, que sempre cultivou um espírito osbtinado e aventureiro. Cavalos combinam com ele. É um sujeito vigoroso. Já eu acho que combino mais com porcos e galinhas, animais de uma vida meio abestalhada, que vivem meio que sem saber o que se passa. Esse poema, de 2007, foi escrito para esse meu irmão esperto e querido.

Os Cavalos

Cavalos!
Cavalos com ferradura de atrito poroso.
Cavalos com emblemas para selar o céu.
Cavalos como motivo de florescimento corporal.
Cavalos propulsionam as terras de defesa dos garotos galácticos.
Cavalos de um dia chegando cometas aos estábulos da criação.
Cavalos que monitoram – ascendem aos altos picos da realização.
Cavalos que transitam, indígenas, pelos pastos da pulsão.
Cavalos de capim verde que engrenam, clorofílicos.
Cavalos de êxtase, motores e trações.
Cavalos chicoteiam, superaquecem os fluxos daninhos do desespero [rascante.
Cavalos de luxúria; cavalos diabólicos.
Cavalos pangarés, para estrelas bebês.
Cavalos exatos, design de musculatura e ossos de alumínio.
Cavalos de desesperança; fagulhas de apocalipse.
Cavalos renascentistas, romances de um duradouro efeito de insurreição.
Cavalos cavalgam enquanto homens pululam em direção ao oblíquo da
[dor e dos suspiros abafados.
Cavalos relincham subservientes à temperança altiva da garotada.
Cavalos desmaiados, exauridos pelos que têm algum pudor.
Cavalos dormindo, bafejando um sonho de passear pelo arco-íris.
Cavalos ordinários, vagando maltrapilhos, inconsúteis, incorrigíveis.
Cavalos-fantasma.
Cavalos-Vontade.
Cavalos-História.
Cavalos-dínamo.
Cavalos-fome.
Cavalos-fogo.
Cavalos-fato.
Cavalos em disparada – equação do movimento.
Cavalos alados – estes já não precisam de asas.
Cavalos derretem, abstraem-se, enganados num futurismo ancestral.
Cavalos dados, de dentes quaternários.
Cavalos chegam à velocidade da luz, com olhos priscos.
Cavalos piscam, e recebem de volta o laço digno de doutrinas dêiticas.
Cavalos não iguais aos de Gulliver, já que
Cavalos são selas e não se concebem como celas.
Cavalos ao sol poente, buscando seu alimento, o elétron.
Cavalos cavados, enterrados como avestruzes.
Cavalos na moita, o menino descansa.
Cavalos coalhados, soníferos, despilhados.
Cavalos somem, no zero absoluto.
Cavalos são homens, no raciocínio astuto.
Cavalos cansados.
Cavalos calados.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Bem, já que o poema "O Sonho" fez relativo sucesso, vou postar aqui também o sucessor. Sabem, sonhos são como poliedros. Sua significação é tridimensional e plurivocal: ou seja, vem de vários momentos diferentes da sua vida e são "aglomerados" (como num mexidão tosco) em uma só seqüência de representações em som e imagem (noto, também, às vezes, impulsos mentais). É como se pegássemos várias fotos e fôssemos recortando delas elementos que mais nos interessam para cifrar a mensagem que queremos passar e fizéssemos uma colagem. Então, posso estar eu adulto, falando com minha mãe na infância, encontrando um outro personagem que é híbrido de meus irmãos, em um lugar que criei numa brincadeira quando tinha 8 anos. E o sonho não tem apenas "uma" mensagem. Ele meio que se constrói para sublimar vários tipos de problemas ao mesmo tempo, muitas vezes fazendo referência a outros sonhos, que vão entrando numa teia maior de informação.... enfim, o inconsciente. Por isso, para se interpretá-los, é preciso foco. Um sonho contém mais do que nós podemos dizer sobre ele. Leiam Freud. :)

Tudo isso por um poema medíocre! Mas estamos aí. Dei uns retoques para ele ficar menos ridículo. Escrevi pouco depois de "O Sonho", ou seja, 2001, e certa vez escrevi um "O Sonho 3", com o qual eu havia ficado muito satisfeito. Mas perdi o original e o poema se foi pra sempre. É uma pena. Estou estudando a possibilidade de escrever um "O Sonho 4". Hehe.

O Sonho (2)

Encontrei uma casa
que não via há quatro anos.
Ela me apareceu translúcida
no meio de uma floresta
recheada de livros que nunca escrevi.
Encontrei um shopping, um aeroporto, amigos esquecidos.
Até o meu breve, muito breve pensamento sobre as cadências da cor [verde
foi peça chave nesse volteio de ladrilhos e portas flutuantes.
Um poço, uma cachoeira, um país estrangeiro (e retorno a ele agora).
Uma ação passada, jamais entendida, que se repete, sem encontrar [solução.
E as conversas, esdrúxulas, com pessoas que jamais existiram.
Destilando-se, as camadas da angústia.
Ociosamente, o passado e o presente se mesclam num odor neutro.
A quase-consciência, a capacidade de transformar o instante em universo.
(fractal)
Hoje, estou conversando com um meu amigo que não vejo desde os seis [anos de idade.
Subitamente, graças a uma propaganda de cerveja que eu assistira no [mesmo dia,
faço um comentário sobre mulheres loiras.
Então, estou transando aquela loira que não me olhava na oitava série.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Um poema sobre a minha péssima memória e o desaparecimento de coisas abstratas. Como é longo, não os perturbarei mais. Escrevi em 2007.

Não Me Lembro

Um projeto de não-existir se apodera de mim.
Eu não me lembro.
Ensaio para a morte; oblívio.
Os objetos da memória, intangíveis.
Me estremeço todo com essa transparência anódina.
O que se foi vai devorando meu presente como um pai ausente.
O que não é mais se presentifica num chumbo de veludo.
Escapam-me os rastros tijolados que levam ao tesouro de minha fonte-[origem.
Presente-mar dissolve o passado-areia neste ir-e-vir maléfico, que faz
[apenas neutralizar os volteios inférteis das humildes tentativas de auto-[compreensão.
Não nos deixam lembrar, e isso não é exatamente uma ditadura.
O que é memória é cadeia.
O que é cadeia é volátil, é arbitrário.
Estrela cadente.
Conhece aquelas fagulhas de cigarro que vão se dispersando, e então
[morrem, isoladas, sem a possibilidade de estabelecerem sinapses?
Nem mesmo as estrelas, que são, sim, fagulhas, não são fagulhas [eternas.
Mas as nossas lembranças se parecem mesmo com uma usina nuclear.
Eu até gosto de me lembrar, mas não me lembro.
Desenho de infância, traçado bonito de vaguidão, invenção.
Tem um gancho sozinho flutuando na minha tentativa de ser aquele tal [todo coeso.
Mas há algo de lírico ou algo de lúgubre numa besta cega?
Se Deus é um relojoeiro cego (pasmem!),
ele criou o homem à sua imagem e semelhança?
É certo que cada coisa precisa desalojar outra nesse mundo.
Metáforas são sempre tolas, porque justamente desalojam, mas como
[ignorar aqueles castelinhos vermelhinhos de madeira?
Tento solucionar estes problemas, mas tudo o que me vem à cabeça são
[esses bloquinhos de madeira, bem afastados, voando numa substância [gosmenta e adstringente.
O que é mais curioso é que o desintegrado volta, somatiza-se.
Mais um doloroso paradoxo.
As amebas é que devem estar certas, pois são honestas e enfileram seus
[aspectos externos e internos.
O que não está presente é sempre o que mata mais.
O que some, o que se volatiliza, escolhe sempre o caminho da ascensão?
O que se esconde tem sempre um cantinho aconchegante onde pode [descansar?
O presente não tem essa possibilidade de se esconder.
Essas sombras que cercam tudo, esses vultos canalhas, essas [representações covardes!
Cafajestes de primeira, o passado e o futuro.
Lá no fundo dessa memória em branco há um nódulo-chavão.
Trata-se de uma maneira bisonha e antípoda de esperança.
A lembrança, segundo a psicanálise, pode, sim, voltar.
O homem também não olha para trás.
Prefere não fazê-lo.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Décimo Primeiro poema: como não quero gastar todas as minhas balas de uma vez (senão o blog acaba), vou começar a desencavar uns poemas bem antigos, que não fazem parte das seleções de "melhores" que geralmente mostro pras pessoas. Esse poema sobre o sonho é bem modesto, poderia crescer muito se eu resolvesse refazê-lo. Até tenho um outro poema tratando do mesmo assunto ("O Sonho 2", hehe), que ficou perdido no meio do caminho, e é um pouco melhor. Mas fica esse mesmo, porque o assunto é inesgotável e eu posso dizer que fico boa parte de todos os meus dias viajando em cima dos sonhos da noite anterior. Não seria exagero dizer que a vida dos sonhos é mais interessante que a vida de vigília. Escrito em 2001.

O Sonho

Baixo as pálpebras e movo-me por dentro.
Quando a luz é negada,
acendo minhas velas interiores de incenso,
e acho que nunca pararei de viver
a esfuziante manifestação que engrena minhas maquiagens.
Em instantes, não há mais cama, televisão, Sol e Lua.
Em instantes, não há mais braços, vento e cabelos.
Aos poucos, reconstruo meu mundo (diariamente),
e tudo o que me cerca se transforma em éter.
Em instantes, sou só pensamento.

domingo, 13 de maio de 2007

Décimo poema: bem, em uma de suas muitas fases, Barthes dizia que uma maneira mais sensata de se apreciar a literatuta seria "erótica". Isso quer dizer: sem intermediários como signos, estruturas, contextos históricos ou sociais. Seria uma apreciação de volúpia, justificando a expressão"devorar o livro"; um prazer escópico e sensitivo, uma relação de amor, passional, quase carnal. Uma conjugação simbiótica, enfim, que diz mais às necessidades dos sentidos do que às da inteligência. Este poema não tem nada a ver com Barthes, mas é curioso constatar que esta minha "Erótica" insiste em inverter (humildemente, claro) esta noção, partindo de uma frieza intelectiva, mesmo quando o erotismo (a coisa mais "quente" que tem) é abordado.

By the way: o que vocês acham desse "shakespeariano" no final? Faz sentido mesmo?

Erótica

A embreagem possui um affair com o câmbio.
Um deles desliza no escuro canto dos pedais, sinuoso, sensual, secreto.
O outro move-se avante, mais sólido, estruturado, mais másculo - engata.
Mas há um chamego.
Há um chamego porque o pé não bem se decide:
O freio tem um coração rascante, infartado.
Um peso gelado sobre a própria vida, este recai-se sobre o acelerador.
Entre o câmbio e a embreagem, um namoro elétrico, gasolínico, um [fulgor que ebule.
Entra a marcha, desliza a embreagem.
Passeia a embreagem, aloja-se a marcha.
Acelera-se, digladiando.
Freia-se, acovardado.
Seria um tolo quem não pensasse num balé:
dá um passo a marcha, frisa o acelerador, suaviza o freio, estremece-se
[a embreagem; recua, valente, a marcha.

Arrepia-se, o pé.

Suicida, daqueles que têm apenas um instante de exatidão, este é o [câmbio.
Sua luta é contra a embreagem, pois o câmbio gosta de se encostar na [pele da marcha.
Chora o acelerador; já sabe que está vencido.
Vencido por sua inaptidão diante da sinuosidade.
Sinuosa é a embreagem, que rejeita o freio, monossilábico.
Quem seria o voyeur dessa história?
- o pé e sua promiscuidade irrefletida?
- ou a mão e seu contato silencioso?
O que é sinuoso, o que é bravio, o que é gelado, o que é torto e o que é
[triste provocam chagas no sistema intricado e frágil dos casamentos [inumanos.
O colapso (shakespeariano) é iminente.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Nono poema: este é um dos favoritos. Deve ter mais de seis anos (pra mim, isso é velho, já que comecei tarde com poemas). Tantas mudanças de estilo depois e ele continua lá, inteiriço em sua visão espectral e cristalizada de mais um fenômeno da natureza. Espero que gostem tanto quanto eu mesmo.

Luz

A luz é também a clareza dos instrumentos numa câmara fechada.
O que rodeia a luz são insetos de escuridão.
(são mariposas esfarrapadas, congregando-se na praia de areias
[douradas; mas à medida que os grãos sujam suas asas, elas (as asas) [começam a cair)
O espaço lança seus feixes negros para desiluminar as planícies reinadas [de sol.
A luz é o momento em que consigo calar o silêncio mudo que me protege
[de olhos fechados.
Ela revela-se quando eu construo meu raio, feixe por feixe, pedaço
[de fóton por pedaço de fóton, numa escada que é tão flexível quanto a
[intangibilidade daquilo que eu não vejo.
Minha luz construída: razão que me salva instantes antes de se [desmontar.
Ela também enegrece: a pele, os ossos, o mar, que vira pedra, areia, que
[vira vidro, e depois caverna.
Amarelo, doce, ouro. Branco, que converte o coração.
Fosco, turvo, morto, que enegrece a alma.
Antes que a noite inteira me abrace: acendo uma vela, que me permite
[escalar, até encontrar uma extremidade de luz insustentada, e volto a [cair.
A luz muitas vezes é parda.
O escuro às vezes são invertebrados que se amontoam sobre a luz.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Oitavo poema: não parece a vocês que as formas e as coisas têm uma espécie de parentesco, um DNA oculto, inserido entre o momento de existir e o de não existir?

O Gato, As Estrelas, A Fada

Gato e estrelas relacionam-se incestuosos.
Mas que de família tem gato; que de família têm estrelas?
Tem de família que gato brilha; estrela brilha.
Na família dos brilhos, brilha mais o estofo vetusto do gato, ou o
[semblante faceiro das estrelas?
Gato e estrelas transam sob o luar das famílias das coisas do mundo.
E o cometa, um tio distante, sangue do sangue do gato, que com ele
[compartilha a cauda.
E o buraco negro, que com o gato compartilha o ânus.
E o sol, mais estrela que as estrelas, que nada tem em comum com o [gato.
(linhagem distinta)
A mãe de todas as linhagens é a fada, bicho que brilha azul como não
[brilham amarelas as estrelas;
e que não existe, e por isso compartilha com o gato a experiência de
[saber como é um dia estar morto.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Sétimo poema: sempre fui um leitor razoável de ficção científica e fantasia. Influência do meu pai, que adorava Isaac Asimov e Arthur C. Clarke. Depois, acabei deixando esses bons gêneros um poucos afastados paran cuidar mais da considerada literatura "séria". Recentemente, percebi que a fantasia é bem mais séria que qualquer tipo de realismo. Parece-me que há coisas nas nossas possiblidades de pensamento que só se executam através de uma resolução do real pela fantasia. O poema a seguir, portanto, é sobre exatamente isso que vocês estão pensando mesmo. Não tem muita fabulação ou acessórios cretinos de representação. Tentei simplesmente pensar um pouco o gênero. Escrevi há poucos dias.

Ficção Científica

O golem é uma figura mítica – não científica.
Abstrai-se um zunido em colapso.
No útero do meu ouvido, apenas um zumbido.
Não há nada para se fazer diante da placidez de um conto de ficção [científica.
Áridas carcaças metálicas.
Na terra do sol, um poente apocalíptico.
Aftermath.
Consciência que regurgita.
Sigo mascando entranhas de latão.
No zênite da fantasia fabulística
há um revés de humanidade.
O golem rumina.
Duplo-cortante, a fantasiação adorna couros de ciência.
Quem sabe não é aquele devir longínquo?
Flashfoward.
Recalque pregresso.
Pudera eu sonhar com armaduras de ouro, espaçonaves de diamante.
Mas se era tudo mesmo a respeito da consciência,
era mais sobre um imaginar tergiversante.
Desembarcar é sempre uma comoção auto-flagelante.
Há um tempo morto que unifica o conhecer-se e o enclausurar-se.
Olhos vibram diante desse romantismo cheio de piercings.
Discurso rosa-choque, que ebule.
Mas as máculas do calor e do vento neutralizam o futuro.
Golens beijam na boca de robôs.
Fadas entregam seus corpos aos ciborgues.
A partir da chuva de gases alucinógenos brotam flores científicas.
Dos nossos delírios esparramados no deserto
restam apenas visões de ficção.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Sexto poema: às vezes, é preciso encontrar boas metáforas. Disseram-me, certa vez, que fazer poesia não é simplesmente enfileirar metáforas, como eu fazia. O grande Roman Jakobson, porém, dizia que a poesia é toda estruturada em metáforas, enquanto a prosa seria a modalidade escolhida pela metonímia para se manifestar. É claro: grande lingüista que era, Jakobson sabia que a linguagem poética é uma condensação mais paradigmática do que sintagmática. A poesia é uma acumulação vertical. O próprio acúmulo de linguagem sobreposta. Um grande poliedro que iça simbolizações de todas as direções. Pois bem: em homenagem a Jakobson, vai um poema que tem uma única boa metáfora.

O Homem Ultravioleta

O de onde vêm as coisas do homem
me esgota porque só a cabeça ferve.
Se do homem só vemos o talo,
só vemos o talo do corpo embrulhado no vento.
O talo, e as folhas (quiçá as flores) são deuses são invisíveis e perfuram
[esse coração imaginário.
O de onde vêm as coisas do homem
é suprasônico.
Talvez os cachorros o saibam
e captem no éter a vergonha que embaralha o suco que se espreme
[quando se espreme o homem.
O de onde vêm as coisas
deixa olhos irritadiços com a infravermelhidão das coisas intestinais de
[todos os homens.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Quarto e quinto poemas: já que, num post anterior, falei dos poemas-irmãos de "A Voz do Trovão", aqui vão eles, a título de comparação. Perdoem a naïvité formal e temática de ambos. São velhos. "Mundo Míope" questiona alguns a prioris que julgamos ser iguais para todos, como os sentidos. "Noite do Logos" é sobre passagens... especialmente aquela, antiga, do mito à razão. Pena que os imaginei um pouco mais abstratos (os temas requerem, não?), e saíram bem narrativos.

Mundo Míope

Vejo borrões: se aproximam e transgridem a escala de suas limitações.
Neste mundo as formas não são só foscas.
São energéticas e pulsam revelando a vida por trás das coisas inertes.
Caminho e não me desoriento
porque a miríade caleidoscópica das coisas foscas
são orientação.
Bloqueio o parâmetro da vida vida.
Desaparecem limites de linhas e contornos.
Um universo modesto de clareza
se apresenta como visão de inseto.
Sem véu de torpeza
ou instrumento de engano.
Chego quase a tocar a realidade.
Só não consigo
porque tenho outros sentidos para adulterar.

Noite do Logos

Vaga-lumes que bailam na noite
volteiam entre blocos de escuro que deslizam pela luz.
Imerso em onírico universo de clarezas insuficientes
que se desgastam crescendo,
mas só conseguem mover,
o mundo já não é mítico como quando existia uma Lua e um Sol.
O nosso mundo entremeado de milhares de astros noturnos,
[pulsantes esféricos etéreos fugazes.
Bailando no lustre dos meus olhos:
as divindades se subdividiram.
Crescem no meu ventre como esperança.
Mas não dou à luz uma crença impotente.

sábado, 24 de março de 2007

Terceiro poema: esta é uma assumida tentativa de personificar um certo orientalismo, aliada a uma certa geometria dentro do tema. É um poema recente, de 2006. A idéia é falar do vôo através do seu avesso.

Vôo

O vento é a subtração do vôo.
A asa, lâmina asséptica no desvario sem coração do vento.
Moscas e suas tonterias.
Mais que voar, essas coisas obedecem à telepatia do vento.
Pássaros negros e seus recortes do céu.
Há um bocado de geometria no espaço aéreo.
Vento e vôo: yin e yang.
Não há no pássaro a liberdade de saber que seu vôo é uma parede.
Os insetos já sabem que são tamborilados pelas agruras de um meio
[mais estéril, mais sisudo, rancoroso: mais éter.
O inseto é nada mais que um maldito inseto, para o vento.
Já um condor teria o peso de uma flecha prateada, empestada em [sangue.
Mas até o vento obedece à gravidade.
E até a gravidade, à relatividade.
Daí o triunfo das asas, fantoches de fantasmas.
Meios existem para serem perfurados.
A aerodinâmica, para ser vencida.
O vôo jamais deveria ser metáfora para se galgar altos saltos [imaginativos.
Como prisão, o vôo precisa libertar sua feição claustrofóbica.
Uma libélula não passa de um barquinho.
O canário pode, é triste, ser confundido com o sol.
O avestruz, um bicho leve, pode voar.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Segundo poema: "A Voz do Trovão" eu escrevi há mais ou menos 4 ou 5 anos, e é um poema bastante problemático, porque sempre tenho dúvidas se devo quebrar a sintaxe em construção na dinâmica do texto ou se devo utilizar versos mais longos, estilo que eu adotaria nos anos posteriores. Ele sofreu várias reformulações até chegar à forma que estou postando aqui, e ainda sinto que ele ainda não encontrou sua forma de repouso ("forma de repouso" é como chamo o poema quando ele finalmente decide descansar, fechar seu organismo, inteirar-se, cerrar-se para sempre. Uma mistura de morte e maturidade). É claro que sempre olho com desconfiança para esses poemas velhos, mas tenho um carinho especial por esse. Ainda acho que é uma das idéias mais legais que eu já tive, junto com seus poemas-irmãos "Noite do Logos" e "Mundo Míope". Todos eles trazem à tona o meu fascínio infantil por aquilo que é intangível, de representação abstrata, como o som, a razão, a visão, etc...

O que acham disso tudo? Comentem aí!

A Voz do Trovão

Rio de luz serpenteia nuvens pra se encavar no buraco.
De onde vem o silvo do trovão?
Claridade embalsamada nos meus olhos:
e meu temor sem sentir.
O que se vê é o que se ouve num espaçotempo-delay.
O relâmpago lança a terra como estupro.
A terra geme; aviso de dor.
De quais clareiras vêm os barulhos soturnos, que dançam nos ventos,
nos encantam sem aviso,
e demolem nossa percepção comum?
Já que a voz do homem vem das entranhas:
precisa implodir para saltar como jato de gozo para a liberdade vã [mortífera.
A voz do homem nasce em mundo completo e concentrado, e separa-se,
[fragmento de vida que apodrece, para morrer no ébrio das coisas [silenciosas.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Primeiro poema: dando continuidade à argumentação perdida e fugaz do primeiro post, um poema um tanto quanto venenoso sobre alguns tipos de dubiedade.


Vassoura de Bruxa

Mas há também na vida uma vassoura de bruxa
rasante que flecha e aleija
meus braços da cabeça
minhas pernas da mente.
Pois há nas paredes propostas de sexo misturadas a melecas secas
férteis que ilustram
meus pênis da cabeça.
minhas vaginas da mente.
Mesmo que haja em cada escultura de Rodin as digitais de todos aqueles
[que fazem de suas vidas desobedecer às regras básicas
mortais que dilaceram
meus olhos da mente.
meu paladar da cabeça.
Já que houve no tempo a primeira rachadura que se esfarelou e ruiu o
[maior de todos os templos romanos
totais, pulverizados, agora dentro da minha cabeça
que desaparece tal qual
as idéias do corpo
e os pensamentos da carne.

Estive pensando sobre como criar um primeiro post para um blog e me deparei com essas incríveis dificuldades de apresentação de qualquer material. Pensei em colar algumas definições de poesia a partir de alguns pensadores ou algo que o valha, mas achei que isso encaretaria demais a proposta desse blog, que é basicamente encontrar o ponto ótimo da "pretensão na despretensão". Ou seja, já que esses poemas são mesmo coisa séria e significam algo para mim, que eles resvalem em alguma fortuna crítica, que passeiem pelos olhos de leitores interessantes, que se tornem mais interessantes ainda por causa de seus leitores. Ao mesmo tempo, há sempre um coeficiente de humor sacana inserido num sujeito que escreve poesia com elementos pop - e o bom humor tem de ser uma tônica aqui, senão certamente isso não daria certo. A poesia, hoje em dia, por mais séria que seja, não é, definitivamente, algo sério.

Esse blog, portanto, tem o interesse naquelas coisas dúbias que se inscrevem de maneira paradoxal em cada mínimo elemento dessa realidade estranha. Meu sonho sempre foi poder desaparecer algum dia - e voltar (um delírio meio cristão?). Exercer propriamente uma dicotomia. Ser sujeito e objeto, sombra e luz, enfim, coisas que se expressem pelo seu contrário. Eu poderia desenvolver isso aqui até chegar a uns delírios cósmico-alucinógenos (afinal, tem sempre aquela história de se ser um e se ser todo ao mesmo tempo, de uma maneira que materializa a idéia do paradoxo e torna-a tangível). Talvez a poesia seja a respeito disso mesmo: calcular o paradoxo. Não é uma missão fácil, nem para gente muito normal. Tirando Jesus, nunca se soube de alguém que tivesse efetivamente desaparecido - e aparecido novamente. Já é algum estímulo, não? Estamos aí. Vamos botar o Bob para pensar.

Enjoy the poetry.