sexta-feira, 25 de maio de 2007

Décimo Primeiro poema: como não quero gastar todas as minhas balas de uma vez (senão o blog acaba), vou começar a desencavar uns poemas bem antigos, que não fazem parte das seleções de "melhores" que geralmente mostro pras pessoas. Esse poema sobre o sonho é bem modesto, poderia crescer muito se eu resolvesse refazê-lo. Até tenho um outro poema tratando do mesmo assunto ("O Sonho 2", hehe), que ficou perdido no meio do caminho, e é um pouco melhor. Mas fica esse mesmo, porque o assunto é inesgotável e eu posso dizer que fico boa parte de todos os meus dias viajando em cima dos sonhos da noite anterior. Não seria exagero dizer que a vida dos sonhos é mais interessante que a vida de vigília. Escrito em 2001.

O Sonho

Baixo as pálpebras e movo-me por dentro.
Quando a luz é negada,
acendo minhas velas interiores de incenso,
e acho que nunca pararei de viver
a esfuziante manifestação que engrena minhas maquiagens.
Em instantes, não há mais cama, televisão, Sol e Lua.
Em instantes, não há mais braços, vento e cabelos.
Aos poucos, reconstruo meu mundo (diariamente),
e tudo o que me cerca se transforma em éter.
Em instantes, sou só pensamento.

domingo, 13 de maio de 2007

Décimo poema: bem, em uma de suas muitas fases, Barthes dizia que uma maneira mais sensata de se apreciar a literatuta seria "erótica". Isso quer dizer: sem intermediários como signos, estruturas, contextos históricos ou sociais. Seria uma apreciação de volúpia, justificando a expressão"devorar o livro"; um prazer escópico e sensitivo, uma relação de amor, passional, quase carnal. Uma conjugação simbiótica, enfim, que diz mais às necessidades dos sentidos do que às da inteligência. Este poema não tem nada a ver com Barthes, mas é curioso constatar que esta minha "Erótica" insiste em inverter (humildemente, claro) esta noção, partindo de uma frieza intelectiva, mesmo quando o erotismo (a coisa mais "quente" que tem) é abordado.

By the way: o que vocês acham desse "shakespeariano" no final? Faz sentido mesmo?

Erótica

A embreagem possui um affair com o câmbio.
Um deles desliza no escuro canto dos pedais, sinuoso, sensual, secreto.
O outro move-se avante, mais sólido, estruturado, mais másculo - engata.
Mas há um chamego.
Há um chamego porque o pé não bem se decide:
O freio tem um coração rascante, infartado.
Um peso gelado sobre a própria vida, este recai-se sobre o acelerador.
Entre o câmbio e a embreagem, um namoro elétrico, gasolínico, um [fulgor que ebule.
Entra a marcha, desliza a embreagem.
Passeia a embreagem, aloja-se a marcha.
Acelera-se, digladiando.
Freia-se, acovardado.
Seria um tolo quem não pensasse num balé:
dá um passo a marcha, frisa o acelerador, suaviza o freio, estremece-se
[a embreagem; recua, valente, a marcha.

Arrepia-se, o pé.

Suicida, daqueles que têm apenas um instante de exatidão, este é o [câmbio.
Sua luta é contra a embreagem, pois o câmbio gosta de se encostar na [pele da marcha.
Chora o acelerador; já sabe que está vencido.
Vencido por sua inaptidão diante da sinuosidade.
Sinuosa é a embreagem, que rejeita o freio, monossilábico.
Quem seria o voyeur dessa história?
- o pé e sua promiscuidade irrefletida?
- ou a mão e seu contato silencioso?
O que é sinuoso, o que é bravio, o que é gelado, o que é torto e o que é
[triste provocam chagas no sistema intricado e frágil dos casamentos [inumanos.
O colapso (shakespeariano) é iminente.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Nono poema: este é um dos favoritos. Deve ter mais de seis anos (pra mim, isso é velho, já que comecei tarde com poemas). Tantas mudanças de estilo depois e ele continua lá, inteiriço em sua visão espectral e cristalizada de mais um fenômeno da natureza. Espero que gostem tanto quanto eu mesmo.

Luz

A luz é também a clareza dos instrumentos numa câmara fechada.
O que rodeia a luz são insetos de escuridão.
(são mariposas esfarrapadas, congregando-se na praia de areias
[douradas; mas à medida que os grãos sujam suas asas, elas (as asas) [começam a cair)
O espaço lança seus feixes negros para desiluminar as planícies reinadas [de sol.
A luz é o momento em que consigo calar o silêncio mudo que me protege
[de olhos fechados.
Ela revela-se quando eu construo meu raio, feixe por feixe, pedaço
[de fóton por pedaço de fóton, numa escada que é tão flexível quanto a
[intangibilidade daquilo que eu não vejo.
Minha luz construída: razão que me salva instantes antes de se [desmontar.
Ela também enegrece: a pele, os ossos, o mar, que vira pedra, areia, que
[vira vidro, e depois caverna.
Amarelo, doce, ouro. Branco, que converte o coração.
Fosco, turvo, morto, que enegrece a alma.
Antes que a noite inteira me abrace: acendo uma vela, que me permite
[escalar, até encontrar uma extremidade de luz insustentada, e volto a [cair.
A luz muitas vezes é parda.
O escuro às vezes são invertebrados que se amontoam sobre a luz.