quarta-feira, 28 de março de 2007

Quarto e quinto poemas: já que, num post anterior, falei dos poemas-irmãos de "A Voz do Trovão", aqui vão eles, a título de comparação. Perdoem a naïvité formal e temática de ambos. São velhos. "Mundo Míope" questiona alguns a prioris que julgamos ser iguais para todos, como os sentidos. "Noite do Logos" é sobre passagens... especialmente aquela, antiga, do mito à razão. Pena que os imaginei um pouco mais abstratos (os temas requerem, não?), e saíram bem narrativos.

Mundo Míope

Vejo borrões: se aproximam e transgridem a escala de suas limitações.
Neste mundo as formas não são só foscas.
São energéticas e pulsam revelando a vida por trás das coisas inertes.
Caminho e não me desoriento
porque a miríade caleidoscópica das coisas foscas
são orientação.
Bloqueio o parâmetro da vida vida.
Desaparecem limites de linhas e contornos.
Um universo modesto de clareza
se apresenta como visão de inseto.
Sem véu de torpeza
ou instrumento de engano.
Chego quase a tocar a realidade.
Só não consigo
porque tenho outros sentidos para adulterar.

Noite do Logos

Vaga-lumes que bailam na noite
volteiam entre blocos de escuro que deslizam pela luz.
Imerso em onírico universo de clarezas insuficientes
que se desgastam crescendo,
mas só conseguem mover,
o mundo já não é mítico como quando existia uma Lua e um Sol.
O nosso mundo entremeado de milhares de astros noturnos,
[pulsantes esféricos etéreos fugazes.
Bailando no lustre dos meus olhos:
as divindades se subdividiram.
Crescem no meu ventre como esperança.
Mas não dou à luz uma crença impotente.

sábado, 24 de março de 2007

Terceiro poema: esta é uma assumida tentativa de personificar um certo orientalismo, aliada a uma certa geometria dentro do tema. É um poema recente, de 2006. A idéia é falar do vôo através do seu avesso.

Vôo

O vento é a subtração do vôo.
A asa, lâmina asséptica no desvario sem coração do vento.
Moscas e suas tonterias.
Mais que voar, essas coisas obedecem à telepatia do vento.
Pássaros negros e seus recortes do céu.
Há um bocado de geometria no espaço aéreo.
Vento e vôo: yin e yang.
Não há no pássaro a liberdade de saber que seu vôo é uma parede.
Os insetos já sabem que são tamborilados pelas agruras de um meio
[mais estéril, mais sisudo, rancoroso: mais éter.
O inseto é nada mais que um maldito inseto, para o vento.
Já um condor teria o peso de uma flecha prateada, empestada em [sangue.
Mas até o vento obedece à gravidade.
E até a gravidade, à relatividade.
Daí o triunfo das asas, fantoches de fantasmas.
Meios existem para serem perfurados.
A aerodinâmica, para ser vencida.
O vôo jamais deveria ser metáfora para se galgar altos saltos [imaginativos.
Como prisão, o vôo precisa libertar sua feição claustrofóbica.
Uma libélula não passa de um barquinho.
O canário pode, é triste, ser confundido com o sol.
O avestruz, um bicho leve, pode voar.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Segundo poema: "A Voz do Trovão" eu escrevi há mais ou menos 4 ou 5 anos, e é um poema bastante problemático, porque sempre tenho dúvidas se devo quebrar a sintaxe em construção na dinâmica do texto ou se devo utilizar versos mais longos, estilo que eu adotaria nos anos posteriores. Ele sofreu várias reformulações até chegar à forma que estou postando aqui, e ainda sinto que ele ainda não encontrou sua forma de repouso ("forma de repouso" é como chamo o poema quando ele finalmente decide descansar, fechar seu organismo, inteirar-se, cerrar-se para sempre. Uma mistura de morte e maturidade). É claro que sempre olho com desconfiança para esses poemas velhos, mas tenho um carinho especial por esse. Ainda acho que é uma das idéias mais legais que eu já tive, junto com seus poemas-irmãos "Noite do Logos" e "Mundo Míope". Todos eles trazem à tona o meu fascínio infantil por aquilo que é intangível, de representação abstrata, como o som, a razão, a visão, etc...

O que acham disso tudo? Comentem aí!

A Voz do Trovão

Rio de luz serpenteia nuvens pra se encavar no buraco.
De onde vem o silvo do trovão?
Claridade embalsamada nos meus olhos:
e meu temor sem sentir.
O que se vê é o que se ouve num espaçotempo-delay.
O relâmpago lança a terra como estupro.
A terra geme; aviso de dor.
De quais clareiras vêm os barulhos soturnos, que dançam nos ventos,
nos encantam sem aviso,
e demolem nossa percepção comum?
Já que a voz do homem vem das entranhas:
precisa implodir para saltar como jato de gozo para a liberdade vã [mortífera.
A voz do homem nasce em mundo completo e concentrado, e separa-se,
[fragmento de vida que apodrece, para morrer no ébrio das coisas [silenciosas.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Primeiro poema: dando continuidade à argumentação perdida e fugaz do primeiro post, um poema um tanto quanto venenoso sobre alguns tipos de dubiedade.


Vassoura de Bruxa

Mas há também na vida uma vassoura de bruxa
rasante que flecha e aleija
meus braços da cabeça
minhas pernas da mente.
Pois há nas paredes propostas de sexo misturadas a melecas secas
férteis que ilustram
meus pênis da cabeça.
minhas vaginas da mente.
Mesmo que haja em cada escultura de Rodin as digitais de todos aqueles
[que fazem de suas vidas desobedecer às regras básicas
mortais que dilaceram
meus olhos da mente.
meu paladar da cabeça.
Já que houve no tempo a primeira rachadura que se esfarelou e ruiu o
[maior de todos os templos romanos
totais, pulverizados, agora dentro da minha cabeça
que desaparece tal qual
as idéias do corpo
e os pensamentos da carne.

Estive pensando sobre como criar um primeiro post para um blog e me deparei com essas incríveis dificuldades de apresentação de qualquer material. Pensei em colar algumas definições de poesia a partir de alguns pensadores ou algo que o valha, mas achei que isso encaretaria demais a proposta desse blog, que é basicamente encontrar o ponto ótimo da "pretensão na despretensão". Ou seja, já que esses poemas são mesmo coisa séria e significam algo para mim, que eles resvalem em alguma fortuna crítica, que passeiem pelos olhos de leitores interessantes, que se tornem mais interessantes ainda por causa de seus leitores. Ao mesmo tempo, há sempre um coeficiente de humor sacana inserido num sujeito que escreve poesia com elementos pop - e o bom humor tem de ser uma tônica aqui, senão certamente isso não daria certo. A poesia, hoje em dia, por mais séria que seja, não é, definitivamente, algo sério.

Esse blog, portanto, tem o interesse naquelas coisas dúbias que se inscrevem de maneira paradoxal em cada mínimo elemento dessa realidade estranha. Meu sonho sempre foi poder desaparecer algum dia - e voltar (um delírio meio cristão?). Exercer propriamente uma dicotomia. Ser sujeito e objeto, sombra e luz, enfim, coisas que se expressem pelo seu contrário. Eu poderia desenvolver isso aqui até chegar a uns delírios cósmico-alucinógenos (afinal, tem sempre aquela história de se ser um e se ser todo ao mesmo tempo, de uma maneira que materializa a idéia do paradoxo e torna-a tangível). Talvez a poesia seja a respeito disso mesmo: calcular o paradoxo. Não é uma missão fácil, nem para gente muito normal. Tirando Jesus, nunca se soube de alguém que tivesse efetivamente desaparecido - e aparecido novamente. Já é algum estímulo, não? Estamos aí. Vamos botar o Bob para pensar.

Enjoy the poetry.