quarta-feira, 9 de maio de 2012

NO UMBRAL PELO QUAL SE ADENTRA NA FLORESTA


Estes passos vão se enrolando como uma fita azul bem escura enterrando-se nos estofos úmidos das folhas
virando mofos, soltando sementes, reproduzindo-se num silêncio molhado e esgarçado, resinando num muco acre, condenando.

De dentro da floresta, faz companhia a uns insetos alados, investigativos, a pele que se torna membrana mole, e vai cedendo a uns focinhos gulosos que sugam mas não matam sua próprio essência, pois se sabe que nada morre efetivamente por estas bandas.

Estas canelas que derretem nos mangues vão se rebaixando, mas com dignidade, aceitando a condição úmida de que o adubo é também um tipo de sêmem, e as visões mais fatais da floresta têm de ser, por piedade, um tipo de cura.

Então, diante deste imiscuir-se enredado neste destino vegetal, cada uma destas árvores se revela como mãos clementes, enterradas e invocando os céus, de gigantes latentes, há tanto tempo enjaulados, que testemunham, sem emitir julgamento, a liturgia que celebra o encalacrar-se deste recém-nascido ser eterno.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

MEU POEMA DE DESAMOR

Então, chegou a minha vez de escrever um poema de desamor.

É irônico que a paisagem seja um café sem qualquer charme, numa noite fria de Brasília, iluminada pela Lua cheia.

É sintomático que as palavras não escorram como poesia, mas sim como uma prosa racional e metódica, buscando limpar o texto do seu caráter derramado e fluido.

Desamores matemáticos.

Parece-me improvável produzir metáforas e sinédoques quando minha usina interna de escrita não é uma inspiração eivada de sentimentos tristes, mutantes e transeuntes, mas sim o automatismo irrecuperável da necessidade de escrever.

Neste momento exato, porém claudicante, meus poderes estão à mercê de um titereiro que convulsiona, e este romântico ferido sequer tem poder sobre seus próprios movimentos.

Torna-se difícil, assim, posicionar a caneta em minha mão esquerda, sinistra por definição.

As palavras vão saindo, meio que sem predeterminação, ocupando espaços escassos das linhas, mal se aguentando numa ordem correta, mal se erguendo retas, recusando-se a significar, em greve com qualquer sentimento ou imaginação.

Fosse eu um poeta desses pós-11 de setembro, meus dedos estariam cambaleando, trêmulos, como que há semana abstinentes, procurando no teclado origens bêbadas para as coisas.

A famosa dor no coração, inesquecível e automaticamente reincidente na voz de Otis Redding, origina-se na verdade no cérebro, e influencia a circulação do nosso sangue, afunilando as vias do coração, que trabalha sufocado, produzindo esse aperto curioso e lamentável, zonzo e indevassável.

Esse efeito é quase entorpecente, como se funcionasse de maneira análoga a uma bad trip constante, povoada de pavorosos traumas e temores, aparecendo no momento em que abruptamente acordo e se estendendo até aqueles breves segundos antes de a consciência, varrida, se esfumaçar na névoa do sono.

Desta maneira, peço desculpas àqueles que esperavam pedaços de palavras e frases elegantes que se pretendem poesia, e não uma espécie de laudo médico sobre esta doença triste de amor.

Para se entender a irracionalidade deste espírito ruim que nos consome, julgo ser necessária uma examinação dos corpos que padecem, que abandonam sua harmonia vital para se centrarem voluntariamente numa longa e esquizóide espiral.

Há algum conforto em saber que esta febre não vai me matar, e que logo, longe deste titereiro autista, recobrarei minha lucidez provocando um incêndio no absurdo, expurgando este avatar demoníaco que os artistas românticos tanto se deliciam em invocar.

Logo, estarei eu mesmo me constrangendo com todas as palavras acima escritas.

Mas logo parece um tempo longo e eterno para um louco que, tendo visivelmente a oportunidade para largar sua loucura, loucamente insiste em preservá-la.

domingo, 7 de junho de 2009

FECHA O CICLO

Perdoem pela demora. É que foram anos para se fechar o ciclo. Agora, tenho um poema "Achar", outro "Torcer" e outro "Perder". A vida não se resume a apenas isso, de qualquer forma? Dedico a trilogia ao poeta Antônio Cícero, que me inspirou com seu poema "Guardar", e com quem tive certa vez uma rápida oportunidade de conversar sobre Kant.

PERDER

No momento em que a perda se consuma
atravessa-nos um calafrio gélido,
como se de choques e fontes elétricas
nos alimentássemos até que,
num virulento escoar desta então organizada rede vital,
percebemos que o rombo se torna equiparável a uma tomada que se [desliga.

Há algo, é claro, que se identifica com a morte,
No sentido de que partes de um corpo se desligam,
e que lentamente sentimos a fraqueza orgânica,
sinal de que, se a mente perde uma conexão,
o corpo não mais se irriga dentro de todas as suas potencialidades.

Este colapso, esta paralisia fúnebre, no entanto,
é um consolo para o corpo quebrantado
e a mente claudicante,
que passam a irradiar uma energia febril inesperada.
Energia que não vem de uma reserva, mas de uma potência [descompensada.
O defunto desperta sob novas leis físicas,
num caleidoscópio de pulsões loucas.
E o que antes era falta, rombo,
se torna um eterno possuir enganado.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Tirando a poeira....

Sei que o blog não é atualizado desde 2007. Bem, estava me dedicando mais às atividades do "Nexo Grupal", que tem mais ibope mesmo. Mas planejo uma bonita reformulação para este blog modesto de poesia sem pieguice. Reabro as portas então com este "processo", poema muito caro a mim porque, apesar de ser bastante abstrato, é um painel das minhas bases de operações mentais. Trata-se de um processo constante e monocórdio, que temos de resolver até que ele nos condene definitivamente. Como em Kafka, só que mais literal e com as proporções evidentes devidamente salientadas.

PROCESSO

Equilíbrio, você sabe, é redundância.
Pânico e pêndulo:
que há um sedimento de calcário, nós sabemos.
Tremor dos neurônios:
não é uma boa figura,
mas uma onerosa realidade.
Tempestades:
cada coisa em seu devido lugar.
A dor: possui um fundamento científico.
Pânico e pêndulo:
balanço da devoração.
E sofrem os olhos, equilibrados.
Cada lágrima encadeada
ratifica o processo.
Tumor esquizóide:
tem o pleno direito de nascer.
A experiência de quase-morte
está no tênue timbre do vidro.
Do lado opaco ao lado oco
manifesta-se o fausto do equilíbrio.
Tempestade elétrica:
se existe, existe pra valer (se existe).
O corpo dormente, o peito febril, repousam no lençol do processo.
Desliza o sangue do suicida, enrosca-se nos eixos do processo, liberta-se [e vai, vai...
A tristeza, no seu acorde aristocrático, nada tem com isso e apenas vê de [longe.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Poemas irmãos

Escrevi dois poemas irmãos recentemente. Poemas baseados no verbo, escavadores de palavras. Postarei o "Achar" aqui e o "Torcer" no Nexo Grupal. Divirtam-se.

Achar

Acha-se aquilo que foi de um outro.
Outro que não lhe queria mais o objeto.
Objeto que agora se encontra suspenso.
Sem sua fagulha vital.
Objeto que não existe novamente
até que alguém o ache,
cercado por seu nada nebuloso,
por seu novelo desintegrado.
O objeto adormece, suicida-se, para uma cidade de vacuidade.
Desprende-se, porque a vida no invisível
não é monótona como a vida da vassalagem.
Aquilo que se perde procura isentar-se de seus posseiros.
Mas há aqueles que o acham
solteiro
pronto para uma nova simbiose,
virgem de comunhões rasuradas,
mas ainda viciado no destino da adesão.
Porque se se livra de uma porosa relação
quer também destronar um novo suserano,
a solidão.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Mais arqueologia

Realmente não dá pra postar todos da série "Poemas e outros poemas", já que tem alguns de qualidade muito precária. Estou botando pra jogo alguns mais ou menos aceitáveis, que precisariam de muita reformas para ficarem mesmo "apresentáveis". Esse aqui, o poema 4, procura passar uma mensagem legal, de superação e processamento do sofrimento. Um poema muito modesto. Espero que curtam. Acessem Nexo Grupal para outros poemas dessa série...

Poema IV

É simples:
Porque às vezes é necessário que façamos isso.
Por mais que a carga, o chumbo, as balas
retornar fazer te podem não elas, não !
por mais que aquela catedrática, a Lua, a morte de um parente:
e se libertassem as algemas da sua alma?
Temos este presente incrível, com o qual nada podemos fazer
Podemos decorar nossos pés, nossas unhas, nossas peles: derramar rios [d’água invencíveis.
Para que assim possamos nos restabelecermos.
Devemos, porque podemos, retirar este pedaço de nós.
As lágrimas existem para filtrar nossa mente.

PS: esse "poema" tem um verso invertido. Coisa de quem está ansioso por inventar alguma coisa... santa ingenuidade...

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Poemas e outros poemas

Lá para, seu lá, 2001-2003 resolvi escrever uma série de poemas apenas numerados. Seriam "Poema 1", "Poema 2", etc. O resultado ficou interessante porque, já que os poemas não possuem títulos, tendem à abstração, já que me pauto muito pelos títulos para escrever (e também para entender. Quem me conhece sabe minha obsessão em saber os nomes das músicas que escuto, etc... sempre achei que seria melhor para memorizar, organizar no meu "hd humano" a quantidade imensa de informações que absorvemos, etc.). Vou deixando aos poucos, então, aqui, esta série, que é de 12 poemas, mas não sei se vou colocá-los todos, porque não sei se são todos que prestam. Fica aí, então, o Poema 1:

Poema I

Nós estamos em aberto

esquecemos vicissitudes

abrimo-nos comparativamente

a um eterno alvorecer

que é nossa máscara de transformação.

Quero andar na direção oposta

e deparar-me com a barreira invisível

que nos coloca

e rodeia, e consome.

Andar até o limite do universo

e descobrir que até o infinito

tem para nós sua finitude.