domingo, 22 de julho de 2007

Poemas de amor

Bem, poemas de amor. Estão meio fora de moda, mas não faz muito sentido falar em poesia sem mencioná-los. Geralmente o amor funciona como um mecanismo de primeira propulsão para a poesia. Ou seja: deve mentir aquele poeta que diz não ter começado com poemas de amor. No início, a poesia é apenas um pequeno suporte para a veiculação do amor. A poesia é um mero objeto do amor, um rito de passagem na atividade de conhecimento do amor. Depois, as coisas se complexificam, e o amor se torna suporte para a veiculação da poesia, e essa parceira encontra seu estágio de simbiose máxima. Eu também escrevo os meus poemas de amor. Deixo aqui três deles, todos dedicados à mesma pessoa, inquieta e inconfundível.

Carolíngea

São foices, feno, ladrilhos, elmos e uma desconfiança vampírica que [fazem um império.
Os sulcos entre os dentes, os restos esquecidos das unhas proclamam o [império da vida.
Rasgadas declarações de dependência solipsista, o império do sentimento.
Existe um império distante.
Entrecortado por hesitação e êxito, burilado em milhagens de paisagens [exóticas.
Este império tem torres que são mãos.
Soldados que são pêlos.
Transpiração que são frutos.
Orelhas que são trombetas.
Lábios que são portões.
Dedos que são espadas.
E corpos que são relva.
Vem do oriente.
Seus poços escuros, seus botões de cravo, sua música popular
crescem em mim enquanto minha pele se colore com a vegetação e as
[águas dos meus olhos se tornam rios de transporte
e o barro do meu suor tijolos para erguer minha base que será torre:
suporte para batalhas no rés da pele,
um mero obstáculo contra os fortes mais distantes:
aqueles encrustrados na semente da alma, talhados na névoa fumacenta
[das escolhas, das certezas, das decisões que viram pó e se projetam [arrependimento no futuro.
Estes campos são conquistados com estacas fincadas no coração dos [erros humanos.
E que exércitos não perecem nos pântanos acres, cadáveres nos tempos
[de conquistas frustradas que enterram nossos sonhos de plenitude, de [gozo e de realização?
Quem sobrevive se dá conta de que um império só conquista outro se for
[capaz de minar a si mesmo, queimar as florestas de suas próprias [terras, extinguir o fogo fátuo de sua própria essência vital e abrir espaço
[para a entrada enérgica destes novos vapores de vida que incorporam
[aquele que não é mais você (doado), mas alguém que percebeu que
[a conquista se dá apenas quando uma vida é substituída por outra vida.

Amor Sonâmbulo

O sonâmbulo não é o amor que anda de olhos fechados.
Pisa em estofo (cama de mola) porque é amor
ou porque é sonâmbulo?
Sonâmbulos atacam geladeiras, atacam pessoas, são perigosos
são agressivos
Não se deve acordar um sonâmbulo
ou não se deve deixá-lo dormir?
Mas há um quê de floreio.
Quando imagino “sonâmbulo”, não sei bem porquê,
vêm juntas flores
Havia na matemática um recurso de deixar as coisas (deviam ser [números) em suspensão.
Será um sonâmbulo um ser em evidência?
Imagino um sonâmbulo feito d’água, meio azul, meio fofo-aquoso,
[espalhando-se por frestas da cozinha, até da sala.
Lembra-se daqueles balões d’água que a gente explodia na cara, na [gincana?
O amor possui um acabamento metálico que um sonâmbulo não tem.
Um sonâmbulo possui uma propriedade de calterização que o amor
[não tem.
Querer relacionar o amor e o sonâmbulo é uma estultice.
Meu amor não é um sonâmbulo.
Ele apenas sonambula por aí.

Futucante

Futuca essa coisa tentaculosa que deixa uma coceira que não se pode
[encontrar, debaixo da pele.
Carcome essas casquinhas, estes pequenos adereços faustosos que a
[alma e o corpo gostam de penduricar.
Investe e alimenta esses comichões que sempre se parecem com aquela
[dorzinha que nunca tem lugar, nunca tem solução, nunca tem nome.
Para se futucar, tem-se que conhecer o fundamento da própria dor, e
[respeitar as gangrenas e hemorragias que jorram nossos [questionamentos para espelhos passados.
A carne ferida (e a carne dos outros, também ferida) abre aquele olho
[mágico onde tudo cintila.
Movimento em riste, sacralidade dos ciclos da vida. O futucar é quase um
[rio que se desdobra, tem a consciência das coisas mecânicas, mas religiosas.
Se há algo que quase se depreende, é o carinho com que se mutila, se
[deteriora, se expurga.
Descasca-se pelo amor que se tem pelo que é finito, pelo que nunca se [renova.
Deixa mesmo uma impressão indelével que marca, que provoca relevo.
Futuca-se com delicadeza e precisão, amor lacrimoso, que insere na
[carne o pontiagudo instrumento de uma subjetividade titubeante.
Queria alcançar o infinito, pelo futucar.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Quando éramos crianças, eu e meus irmãos costumávamos andar a cavalo na antiga fazendo do meu avô. Sempre tive uma fascínio daqueles de criança por animais. Minha única idéia para um filme seria uma montagem, nas margens da poesia, da vida, hmm... sincera dos animais. Lembro-me de passear pela fazenda e gastar meu tempo observando galinhas, porcos, minhocas e vacas. A diversão "oficial" da fazenda, que era andar a cavalo, ficava mais com meus irmãos. Marcos em especial, que sempre cultivou um espírito osbtinado e aventureiro. Cavalos combinam com ele. É um sujeito vigoroso. Já eu acho que combino mais com porcos e galinhas, animais de uma vida meio abestalhada, que vivem meio que sem saber o que se passa. Esse poema, de 2007, foi escrito para esse meu irmão esperto e querido.

Os Cavalos

Cavalos!
Cavalos com ferradura de atrito poroso.
Cavalos com emblemas para selar o céu.
Cavalos como motivo de florescimento corporal.
Cavalos propulsionam as terras de defesa dos garotos galácticos.
Cavalos de um dia chegando cometas aos estábulos da criação.
Cavalos que monitoram – ascendem aos altos picos da realização.
Cavalos que transitam, indígenas, pelos pastos da pulsão.
Cavalos de capim verde que engrenam, clorofílicos.
Cavalos de êxtase, motores e trações.
Cavalos chicoteiam, superaquecem os fluxos daninhos do desespero [rascante.
Cavalos de luxúria; cavalos diabólicos.
Cavalos pangarés, para estrelas bebês.
Cavalos exatos, design de musculatura e ossos de alumínio.
Cavalos de desesperança; fagulhas de apocalipse.
Cavalos renascentistas, romances de um duradouro efeito de insurreição.
Cavalos cavalgam enquanto homens pululam em direção ao oblíquo da
[dor e dos suspiros abafados.
Cavalos relincham subservientes à temperança altiva da garotada.
Cavalos desmaiados, exauridos pelos que têm algum pudor.
Cavalos dormindo, bafejando um sonho de passear pelo arco-íris.
Cavalos ordinários, vagando maltrapilhos, inconsúteis, incorrigíveis.
Cavalos-fantasma.
Cavalos-Vontade.
Cavalos-História.
Cavalos-dínamo.
Cavalos-fome.
Cavalos-fogo.
Cavalos-fato.
Cavalos em disparada – equação do movimento.
Cavalos alados – estes já não precisam de asas.
Cavalos derretem, abstraem-se, enganados num futurismo ancestral.
Cavalos dados, de dentes quaternários.
Cavalos chegam à velocidade da luz, com olhos priscos.
Cavalos piscam, e recebem de volta o laço digno de doutrinas dêiticas.
Cavalos não iguais aos de Gulliver, já que
Cavalos são selas e não se concebem como celas.
Cavalos ao sol poente, buscando seu alimento, o elétron.
Cavalos cavados, enterrados como avestruzes.
Cavalos na moita, o menino descansa.
Cavalos coalhados, soníferos, despilhados.
Cavalos somem, no zero absoluto.
Cavalos são homens, no raciocínio astuto.
Cavalos cansados.
Cavalos calados.