Escrevi um poema chamado "Antonioni" há uns cinco anos. Acabei esquecendo-me dele, porque, digamos, envelheceu mal. Falava sobre uma incapacidade de seguir as causas e efeitos da realidade, justamente porque, numa realidade um tanto quanto "virtual", só sobrariam pausas, fotogramas de realidade, pixels de verdade. No final, ficou algo mais a ver com Mário Peixoto do que com Antonioni. Não é grande coisa, mas vá lá, ressucitá-lo-ei. Rest in peace, Antonioni.
Antonioni
e são só pausas
todo este momento
pausas no futuro inacabado.
a mochila nas costas.
as aves.
a montanha.
pausas incríveis.
o trabalho volta a consumir.
a música se (e re) integra.
e os jogos: todos valendo dinheiro.
todos pausas espetaculares.
comandando aquele exército de neurônios.
ludibriando este curso sonolento.
as pausas que nos distraem;
nos fazem decidir, desviar o olhar.
nos submergem num doce líquido azulado.
claro e límpido: muitos sorrisos conquistados.
a dor por dentro cessa até brotar novamente.
vivem todos drogados, eles.
provocam, interrompem, retornam ao confortável conhecido.
por um momento, deixei que continuasse.
preferi sofrer o calor que me provoca coragem.
o curso verdadeiro, incolor e condensado:
não quero mais pausas no tempo.