domingo, 13 de maio de 2007

Décimo poema: bem, em uma de suas muitas fases, Barthes dizia que uma maneira mais sensata de se apreciar a literatuta seria "erótica". Isso quer dizer: sem intermediários como signos, estruturas, contextos históricos ou sociais. Seria uma apreciação de volúpia, justificando a expressão"devorar o livro"; um prazer escópico e sensitivo, uma relação de amor, passional, quase carnal. Uma conjugação simbiótica, enfim, que diz mais às necessidades dos sentidos do que às da inteligência. Este poema não tem nada a ver com Barthes, mas é curioso constatar que esta minha "Erótica" insiste em inverter (humildemente, claro) esta noção, partindo de uma frieza intelectiva, mesmo quando o erotismo (a coisa mais "quente" que tem) é abordado.

By the way: o que vocês acham desse "shakespeariano" no final? Faz sentido mesmo?

Erótica

A embreagem possui um affair com o câmbio.
Um deles desliza no escuro canto dos pedais, sinuoso, sensual, secreto.
O outro move-se avante, mais sólido, estruturado, mais másculo - engata.
Mas há um chamego.
Há um chamego porque o pé não bem se decide:
O freio tem um coração rascante, infartado.
Um peso gelado sobre a própria vida, este recai-se sobre o acelerador.
Entre o câmbio e a embreagem, um namoro elétrico, gasolínico, um [fulgor que ebule.
Entra a marcha, desliza a embreagem.
Passeia a embreagem, aloja-se a marcha.
Acelera-se, digladiando.
Freia-se, acovardado.
Seria um tolo quem não pensasse num balé:
dá um passo a marcha, frisa o acelerador, suaviza o freio, estremece-se
[a embreagem; recua, valente, a marcha.

Arrepia-se, o pé.

Suicida, daqueles que têm apenas um instante de exatidão, este é o [câmbio.
Sua luta é contra a embreagem, pois o câmbio gosta de se encostar na [pele da marcha.
Chora o acelerador; já sabe que está vencido.
Vencido por sua inaptidão diante da sinuosidade.
Sinuosa é a embreagem, que rejeita o freio, monossilábico.
Quem seria o voyeur dessa história?
- o pé e sua promiscuidade irrefletida?
- ou a mão e seu contato silencioso?
O que é sinuoso, o que é bravio, o que é gelado, o que é torto e o que é
[triste provocam chagas no sistema intricado e frágil dos casamentos [inumanos.
O colapso (shakespeariano) é iminente.

4 comentários:

Anônimo disse...

amei!
já tinha transado com pedra planta - alface, tal qual policarpo - e água mas carro foi uma ótima idéia, vou experimentar,

abraços

Serguei
o pansexual

John Pothead disse...

me lembrou cronenberg. crash

Ciro disse...

Go ahead, serguei. Sempre fui fã da sua bizarrice. Que bom que pude trazer um novo estímulo à sua vida.

The Red Overground disse...

Hum... engrenou uma vontade de comer melancia depois desse... e de dirigir um carro. Andar de bau e metro nao da esse tesao todo.
Ontem assisti ao The Wayward Cloud, do tsai ming-liang. Utilizacao criativa de melancias em pelicula...
talvez venha dai...