sexta-feira, 20 de abril de 2007

Oitavo poema: não parece a vocês que as formas e as coisas têm uma espécie de parentesco, um DNA oculto, inserido entre o momento de existir e o de não existir?

O Gato, As Estrelas, A Fada

Gato e estrelas relacionam-se incestuosos.
Mas que de família tem gato; que de família têm estrelas?
Tem de família que gato brilha; estrela brilha.
Na família dos brilhos, brilha mais o estofo vetusto do gato, ou o
[semblante faceiro das estrelas?
Gato e estrelas transam sob o luar das famílias das coisas do mundo.
E o cometa, um tio distante, sangue do sangue do gato, que com ele
[compartilha a cauda.
E o buraco negro, que com o gato compartilha o ânus.
E o sol, mais estrela que as estrelas, que nada tem em comum com o [gato.
(linhagem distinta)
A mãe de todas as linhagens é a fada, bicho que brilha azul como não
[brilham amarelas as estrelas;
e que não existe, e por isso compartilha com o gato a experiência de
[saber como é um dia estar morto.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Sétimo poema: sempre fui um leitor razoável de ficção científica e fantasia. Influência do meu pai, que adorava Isaac Asimov e Arthur C. Clarke. Depois, acabei deixando esses bons gêneros um poucos afastados paran cuidar mais da considerada literatura "séria". Recentemente, percebi que a fantasia é bem mais séria que qualquer tipo de realismo. Parece-me que há coisas nas nossas possiblidades de pensamento que só se executam através de uma resolução do real pela fantasia. O poema a seguir, portanto, é sobre exatamente isso que vocês estão pensando mesmo. Não tem muita fabulação ou acessórios cretinos de representação. Tentei simplesmente pensar um pouco o gênero. Escrevi há poucos dias.

Ficção Científica

O golem é uma figura mítica – não científica.
Abstrai-se um zunido em colapso.
No útero do meu ouvido, apenas um zumbido.
Não há nada para se fazer diante da placidez de um conto de ficção [científica.
Áridas carcaças metálicas.
Na terra do sol, um poente apocalíptico.
Aftermath.
Consciência que regurgita.
Sigo mascando entranhas de latão.
No zênite da fantasia fabulística
há um revés de humanidade.
O golem rumina.
Duplo-cortante, a fantasiação adorna couros de ciência.
Quem sabe não é aquele devir longínquo?
Flashfoward.
Recalque pregresso.
Pudera eu sonhar com armaduras de ouro, espaçonaves de diamante.
Mas se era tudo mesmo a respeito da consciência,
era mais sobre um imaginar tergiversante.
Desembarcar é sempre uma comoção auto-flagelante.
Há um tempo morto que unifica o conhecer-se e o enclausurar-se.
Olhos vibram diante desse romantismo cheio de piercings.
Discurso rosa-choque, que ebule.
Mas as máculas do calor e do vento neutralizam o futuro.
Golens beijam na boca de robôs.
Fadas entregam seus corpos aos ciborgues.
A partir da chuva de gases alucinógenos brotam flores científicas.
Dos nossos delírios esparramados no deserto
restam apenas visões de ficção.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Sexto poema: às vezes, é preciso encontrar boas metáforas. Disseram-me, certa vez, que fazer poesia não é simplesmente enfileirar metáforas, como eu fazia. O grande Roman Jakobson, porém, dizia que a poesia é toda estruturada em metáforas, enquanto a prosa seria a modalidade escolhida pela metonímia para se manifestar. É claro: grande lingüista que era, Jakobson sabia que a linguagem poética é uma condensação mais paradigmática do que sintagmática. A poesia é uma acumulação vertical. O próprio acúmulo de linguagem sobreposta. Um grande poliedro que iça simbolizações de todas as direções. Pois bem: em homenagem a Jakobson, vai um poema que tem uma única boa metáfora.

O Homem Ultravioleta

O de onde vêm as coisas do homem
me esgota porque só a cabeça ferve.
Se do homem só vemos o talo,
só vemos o talo do corpo embrulhado no vento.
O talo, e as folhas (quiçá as flores) são deuses são invisíveis e perfuram
[esse coração imaginário.
O de onde vêm as coisas do homem
é suprasônico.
Talvez os cachorros o saibam
e captem no éter a vergonha que embaralha o suco que se espreme
[quando se espreme o homem.
O de onde vêm as coisas
deixa olhos irritadiços com a infravermelhidão das coisas intestinais de
[todos os homens.