terça-feira, 8 de setembro de 2009

MEU POEMA DE DESAMOR

Então, chegou a minha vez de escrever um poema de desamor.

É irônico que a paisagem seja um café sem qualquer charme, numa noite fria de Brasília, iluminada pela Lua cheia.

É sintomático que as palavras não escorram como poesia, mas sim como uma prosa racional e metódica, buscando limpar o texto do seu caráter derramado e fluido.

Desamores matemáticos.

Parece-me improvável produzir metáforas e sinédoques quando minha usina interna de escrita não é uma inspiração eivada de sentimentos tristes, mutantes e transeuntes, mas sim o automatismo irrecuperável da necessidade de escrever.

Neste momento exato, porém claudicante, meus poderes estão à mercê de um titereiro que convulsiona, e este romântico ferido sequer tem poder sobre seus próprios movimentos.

Torna-se difícil, assim, posicionar a caneta em minha mão esquerda, sinistra por definição.

As palavras vão saindo, meio que sem predeterminação, ocupando espaços escassos das linhas, mal se aguentando numa ordem correta, mal se erguendo retas, recusando-se a significar, em greve com qualquer sentimento ou imaginação.

Fosse eu um poeta desses pós-11 de setembro, meus dedos estariam cambaleando, trêmulos, como que há semana abstinentes, procurando no teclado origens bêbadas para as coisas.

A famosa dor no coração, inesquecível e automaticamente reincidente na voz de Otis Redding, origina-se na verdade no cérebro, e influencia a circulação do nosso sangue, afunilando as vias do coração, que trabalha sufocado, produzindo esse aperto curioso e lamentável, zonzo e indevassável.

Esse efeito é quase entorpecente, como se funcionasse de maneira análoga a uma bad trip constante, povoada de pavorosos traumas e temores, aparecendo no momento em que abruptamente acordo e se estendendo até aqueles breves segundos antes de a consciência, varrida, se esfumaçar na névoa do sono.

Desta maneira, peço desculpas àqueles que esperavam pedaços de palavras e frases elegantes que se pretendem poesia, e não uma espécie de laudo médico sobre esta doença triste de amor.

Para se entender a irracionalidade deste espírito ruim que nos consome, julgo ser necessária uma examinação dos corpos que padecem, que abandonam sua harmonia vital para se centrarem voluntariamente numa longa e esquizóide espiral.

Há algum conforto em saber que esta febre não vai me matar, e que logo, longe deste titereiro autista, recobrarei minha lucidez provocando um incêndio no absurdo, expurgando este avatar demoníaco que os artistas românticos tanto se deliciam em invocar.

Logo, estarei eu mesmo me constrangendo com todas as palavras acima escritas.

Mas logo parece um tempo longo e eterno para um louco que, tendo visivelmente a oportunidade para largar sua loucura, loucamente insiste em preservá-la.

2 comentários:

John Pothead disse...

fala ciro, belo poema. escreva aqui mais vezes!

F_ disse...

Prezado Ciro,

Apesar de sua predileção pelo "claudicantismo", seus poemas são sucintos e interessantes. Continue a divulgá-los!

Um abraço.