sábado, 24 de março de 2007

Terceiro poema: esta é uma assumida tentativa de personificar um certo orientalismo, aliada a uma certa geometria dentro do tema. É um poema recente, de 2006. A idéia é falar do vôo através do seu avesso.

Vôo

O vento é a subtração do vôo.
A asa, lâmina asséptica no desvario sem coração do vento.
Moscas e suas tonterias.
Mais que voar, essas coisas obedecem à telepatia do vento.
Pássaros negros e seus recortes do céu.
Há um bocado de geometria no espaço aéreo.
Vento e vôo: yin e yang.
Não há no pássaro a liberdade de saber que seu vôo é uma parede.
Os insetos já sabem que são tamborilados pelas agruras de um meio
[mais estéril, mais sisudo, rancoroso: mais éter.
O inseto é nada mais que um maldito inseto, para o vento.
Já um condor teria o peso de uma flecha prateada, empestada em [sangue.
Mas até o vento obedece à gravidade.
E até a gravidade, à relatividade.
Daí o triunfo das asas, fantoches de fantasmas.
Meios existem para serem perfurados.
A aerodinâmica, para ser vencida.
O vôo jamais deveria ser metáfora para se galgar altos saltos [imaginativos.
Como prisão, o vôo precisa libertar sua feição claustrofóbica.
Uma libélula não passa de um barquinho.
O canário pode, é triste, ser confundido com o sol.
O avestruz, um bicho leve, pode voar.

Nenhum comentário: